sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Descubra o litoral que lembra o interior




Uma pequena vila de pescadores chama a atenção de turistas de vários lugares da América do Sul (veja no mapa mais abaixo). Eles descobriram a beleza das praias do Araçá, bairro localizado em Porto Belo, no litoral centro-norte de Santa Catarina. A fama das praias de águas claras e calmas conseguiu ultrapassar os morros que cercam o município de 14 mil habitantes, a 64 km de Florianópolis.




Chamada de “paradisíaca” por alguns corretores de imóveis consultados pela reportagem (veja fotos no slide acima), a região é bastante procurada por pessoas de alto poder aquisitivo. Elas constroem principalmente nas áreas mais altas, inclusive de encosta, de onde se pode ter uma vista privilegiada da enseada.









Em destaque, os estados do Brasil
ou países da América do Sul
de onde vem a maioria dos turistas
que chegam a Porto Belo.
A cor vermelha indica os lugares
de mais saída de turistas
para Porto Belo.
De acordo com o corretor José Luiz Pinto, esse perfil de comprador gosta de estar em contato com a natureza, especialmente intocada: “Quem vai a Balneário Camboriú prefere o meio urbano.” De acordo com Luiz Silva, que, assim como José Luiz negocia imóveis, este tipo de pessoa foge da sensação de aprisionamento causada pelos apartamentos. Gislene Alves, que também atua no mercado imobiliário da região, completa: “Quem está lá fora busca o que tem ali no Araçá: aquela coisa mais selvagem, longe de movimento.”


Essa tranquilidade também atrai turistas estrangeiros. Arlete Pires de Almeida frequentemente negocia, durante a temporada, com argentinos e conta por que escolhem o Araçá. “Como é um lugar muito pequeno, eles se sentem mais seguros, em relação à segurança mesmo, [como] perigo de ser assaltado.” Os turistas buscam tranquilidade no Araçá. “Ainda se pode dormir com a janela aberta”, afirma Nilson Silva, corretor de imóveis há 30 anos − o primeiro em Porto Belo, segundo ele.


Mas, além da segurança e da tranquilidade, José Luiz sugere outros motivos: “Dependendo do terreno, é protegido de alguns ventos. Ali tem alto calado, pode chegar com grandes lanchas.” Por fim, o corretor compara: “Guardadas as diferenças, Porto Belo lembra Paraty (RJ): uma cidade de descanso, para repouso.”


O município não é tão conhecido como os vizinhos Itapema e Bombinhas. Ao mesmo tempo em que a procura é baixa, não existem muitos terrenos disponíveis para a construção. Alguns ficam em áreas protegidas. Por isso, o preço é alto e os corretores de imóveis trabalham mais com aluguel, especialmente no verão.


Para oferecer uma infraestrutura de qualidade, os três municípios da região se preparam. Itapema já tem um sistema de tratamento de esgoto, embora ainda não aprovado pelo Ministério Público. Em Bombinhas, as obras estão previstas para começar ano que vem. Nos dois municípios, algumas construtoras instalaram sistemas sustentáveis para economizar água e energia elétrica.



em Porto Belo, as obras do saneamento básico começaram este ano. Lá, alunos de escolas municipais e a da rede estadual realizam projetos de educação ambiental. Empresas de passeio de barco também cuidam do meio ambiente, evitando que lixo, óleo ou esgoto caiam no mar. Enquanto isso, a comunidade do Araçá, de onde saem muitos pescadores, experimenta a coleta seletiva.


O caminho
Na BR-101, entre no km 155. Siga pela rodovia SC-412 (ou Avenida Governador Celso Ramos, no Centro) como se fosse em direção a Bombinhas. Pouco depois da Pesqueira Pioneira, vire à esquerda para entrar na estrada de acesso ao bairro Araçá. São cerca de 10 quilômetros até a primeira praia. Preste atenção porque o caminho é cheio de curvas. Muitas vezes não se vê quem chega pelo sentido contrário.

Conheça o caminho do imposto barato

Em destaque, a estrada desativada no Araçá.
A área às margens era considerada zona rural.
(Arte sobre Reprodução/Google Earth)
Fechada em 1994, uma estrada clandestina passa por áreas no alto do bairro Araçá. Naquela região, considerada zona rural, são proibidas novas construções desde que começou a ser protegida por lei. Donos não podem mais chegar até suas propriedades, nem mexer nelas. Mas ainda devem pagar anualmente à União o Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Segundo a ambientalista Soleci da Silva Ferreira, por incrível que pareça, esse imposto pode ter sido um dos atrativos do Araçá.


Segundo a lei 9.393/96, o dono das terras deve relatar o valor do imóvel. O cálculo exclui partes usadas em diversas atividades. A porcentagem cobrada é resultado da divisão entre a área que sobra – geralmente onde há cultivo de animais ou plantas – e o total. “É menos de 0,01% do valor”, revela Nelson Lanza, servidor do departamento de tributos da Prefeitura Municipal de Porto Belo.


“Teve caso de um terreno de cinco hectares (50.000 m² ou seis vezes a área do campo do Maracanã) que o dono pagou R$ 10 de imposto”, conta Lanza. Por conta de casos parecidos, a prefeitura arrecadou até 21 de outubro deste ano mais com o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) do que recebeu como repasse do ITR. Ou seja, aproximadamente R$ 4 milhões por cerca 30% da área do município contra cerca de R$ 8.200 (valor líquido) por 70%.

De acordo com o professor de Direito Imobiliário da Univali, Álvaro Borges de Oliveira, os proprietários daquelas terras devem pedir indenização. “Entre você e a sociedade, sempre a sociedade. Isso é a ideia de função social. Entre deixar que alguém construa e derrube aquele pedaço de terra que tu tá falando, é melhor que fique assim pra mim, pra ti, pra todo mundo, do que pra um morador ir lá morar. Mas como isso era dele, nada mais justo do que nós pagarmos para ele.”



Mercado imobiliário cresce em Porto Belo

Os imóveis em Porto Belo se valorizaram muito nos últimos 30 anos. Até de forma irreal. “Teve uma época que muitos vieram e começaram a comprar na beira da praia, então todo imóvel ficou caro”, diz a corretora Arlete Pires de Almeida.

Mas parece que há mais por vir. Para o corretor José Luiz Pinto, o público se interessa mais por Bombinhas ou Meia Praia, em Itapema, porque esses lugares têm a infra-estrutura turística – hospedagem, gastronomia e diversão, por exemplo. Por isso, os preços em Porto Belo estão um pouco abaixo. José Luiz espera que a procura aumente em até dez anos.



Para estabelecer preços de venda e aluguel, os corretores costumam seguir a lei da oferta e da procura. (No caso, há poucos terrenos e por isso os preços estão altos.) Também se considera a localização, incluindo o valor de imóveis vizinhos, e a área construída quando se quer vender.

No bairro do Araçá, os imóveis estão caros. Mas, de acordo com Luiz Silva, o mercado está parado. A culpa é dos sucessivos embargos de obras. “Ninguém compra se não pode construir.” Neste caso, são locais de encosta e com vista privilegiada para a baía.

Para o corretor José Luiz Pinto, muitos moradores se arrependem depois que vendem o terreno. “Quando eles têm seu terreno a beira-mar, que vale R$ 100 mil e alguém paga R$ 500 mil, é maravilhoso. Naquele momento achou que era um grande negócio. Depois de alguns anos, o valor aumenta para R$ 2 milhões.”


Você também paga pelas melhorias

A corretora Arlete Pires de Almeida conta que se baseia em valores anteriores de alugueis para reajustar as diárias. Ela leva em conta os períodos em que a procura foi menor. De acordo com o corretor Luis Silva, o aluguel também sobe caso acontecer alguma melhoria no imóvel, se a faxina custar mais caro ou se houver aumento na tarifas de água e luz.


Esse aumento entra na conta porque, segundo Arlete, “a energia é cara”. Com geladeira, ar condicionado e chuveiro elétrico instalados na casa, por exemplo, a tendência é que se consuma mais luz. Nesse sentido, a corretora considera os argentinos um caso curioso. “Eles não estão acostumados a chuveiro elétrico. Uns têm medo de ligar. Então, deixam todo mundo tomar banho e o chuveiro fica ligado.”

Já outro corretor, José Luiz Pinto, diz que dar mais conforto ao cliente é o mínimo que se pode fazer para alugar um imóvel. Caso contrário, “não vale a pena, porque o preço fica muito baixo”. Na região, existe mais interesse pelo aluguel no verão, enquanto quem fica no Araçá prefere ter a sua própria casa, especialmente de frente para o mar.



O trânsito afastou os clientes

Justiça suspendeu licitação da estrada em vermelho.
A rota alternativa pelo Morro de Zimbros
está em laranja. (Arte sobre Reprodução/blog SOS Porto Belo)
Segundo a corretora Arlete Pires de Almeida, até 1999 os turistas ficavam em Porto Belo pela tranquilidade e pelo fácil acesso a Bombinhas. Quando os engarrafamentos aumentaram, as pessoas preferiram ficar menos tempo na cidade ou se hospedar em Bombinhas. Lá, de acordo com a corretora, existem mais opções de imóveis e os aluguéis são menores. Para não ficar atrás da ‘concorrência’, há quem diga que em Porto Belo se oferece valores abaixo dos normais. “Aqui casa não fica fechada”, diz outra fonte que trabalha com imóveis.

A construção de um segundo acesso – terceiro, na verdade – para Bombinhas está em discussão. Em julho deste ano, a Justiça Federal suspendeu a licitação, aberta pelo governo do Estado em abril. A Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina (Fatma) é acusada de conceder licença sem considerar o impacto sobre nascentes, cursos d'água e mata atlântica e a existência de unidades de conservação na região. Além disso, se a estrada passar sobre o morro, como está no projeto, pode abalar a estrutura geológica, de acordo com a ambientalista Soleci da Silva Ferreira.

Organizações de defesa do meio ambiente propõem uma rota alternativa que margeie o morro de Zimbros e se ligue à estrada que já existe na região ou um túnel. O projeto aprovado em abril prevê a contenção de morros e a instalação de telas para evitar a passagem de animais na pista. Já existe uma estrada que passa pelo morro de Zimbros e termina na praia de mesmo nome.

Oficialmente ‘terra de ninguém’

Terreno cercado na ponta do Araçá. Muitos imóveis
na região atravessaram gerações
sem documentos. (Soleci da Silva Ferreira)

A região da vila do Araçá começou a ser povoada no século 17. As terras foram passadas de geração para geração sem que ninguém fosse oficialmente dono delas no papel. Hoje quem quer comprar um terreno no Araçá enfrenta problemas, a começar pela regularização do imóvel.

Os interessados procuram terrenos com documentação, o que falta na maioria dos casos. Isso deixa os compradores inseguros, mesmo gostando do preço. Segundo a corretora Gislene Alves, bancos, como a Caixa Econômica Federal, exigem que os documentos do imóvel estejam em dia para financiá-lo. Sem os papéis, os interessados desistem do negócio.

Nilson Silva afirma que é o pioneiro no mercado imobiliário de Porto Belo. Quando começou na década de 1980, também tinha problemas para regularizar terras porque não existia demarcação definida. “De uma pedra a outra pedra era dele. Do outro, ninguém sabia onde era.” Segundo Álvaro Borges de Oliveira, professor de Direito Imobiliário na Univali,“não se pode falar em propriedade no Brasil sem matrícula [registro].”

“A pessoa que compra lá tem que estar ciente disso, fazer um contrato com a família [dona do terreno] e depois entrar com uma ação de uso capião. Se você comprar imóvel de nativo vai ser assim”, avisa Luiz Silva, corretor de imóveis. Na Justiça, nesse tipo de processo, se busca provar o uso e/ou ocupação da terra por, no mínimo, cinco anos, dependendo do caso. Assim, a propriedade passa a ser de quem usa de fato.

“Se o terreno tem matrícula [registro], tem que chamar o proprietário. Se não tem, tem que pegar uma negativa no registro de imóveis”, diz o professor Álvaro. Representantes da prefeitura e do governo estadual devem provar que não há impostos atrasados.

Já a Secretaria do Patrimônio da União comprova que o terreno não pertence à União, enquanto o Ministério Público apresenta provas de que o imóvel não está envolvido em disputas judiciais. Todos os vizinhos também têm que ser chamados.

Quando o dono do imóvel não é encontrado, “você pede pro juiz nomear um curador pra ele. E aí alguém vai agir pra ele naquele processo.”, esclarece o professor de Direito Imobiliário, e continua: “Vamos supor que o cara já tenha morrido, por exemplo. Imagine se o cara morreu e deixou dez herdeiros... Como é que vai encontrar essas dez pessoas aí?”



De acordo com o professor Álvaro, terras sem dono é um problema que vem desde a colonização. Por isso, “em qualquer lugar do Brasil é comum”. Desde o século 16, nobres receberam da Coroa portuguesa (e depois da família real do Brasil) pedaços de terra, que, de tão grandes, não era possível saber quais os proprietários vizinhos. “As terras de Joinville eram de uma pessoa só, a Dona Francisca, que as ganhou como presente de casamento de D. Pedro I [seu pai].”

Até hoje existem terras no Brasil que não se sabe de quem são. Nesses casos, juristas defendem que deve ser considerado o dono quem está usando ou ocupando o pedaço de terra. Se não houver ninguém, é da União.

Pesa no bolso (e talvez na sua cabeça)

Casa em cima do morro na enseada do Caixa D'Aço:
construir nesses lugares é difícil
e pode provocar deslizamentos. (Kunimund Krönke Junior)
A construção em áreas de encosta aumenta o custo da obra. O relevo dificulta o transporte de material e o trabalho no local. Segundo o empreiteiro Jarylson Claret, “o caminhão não sobe carregado”. A construtora às vezes também precisa alugar um guincho. De acordo com José Pereira, funcionário de outra empresa, não há como levar as máquinas para o local.

No caso de precipícios, aumenta a quantidade de concreto e ferragens. “Você tem que sustentar a casa no ar”, diz Claret. “Você tem que fazer dois, três andares para estruturar a casa.” Isso aumenta o tempo de execução da obra. Somando a dificuldade de acesso ao local, o custo da mão-de-obra em encostas fica R$ 1.400 mais caro. Segundo estimativa do empreiteiro, o serviço custa, em média, R$ 300 por m2 em terrenos planos.

O Código Florestal Brasileiro (lei nº 4771/65) considera áreas de preservação permanente, entre outras, aquelas onde a encosta tenha mais de 45º de inclinação. Cortar a vegetação apenas com autorização para casos de “utilidade pública ou interesse social” previstos em lei.

De acordo com o geólogo Juarês Aumond, manter a vegetação evita deslizamentos de terra. “As árvores jogam a água das regiões profundas [do solo] para o ar, fixam o solo e suas raízes conduzem até embaixo a água que penetra na superfície do solo.” Quando as árvores são derrubadas, as raízes apodrecem e deixam vazios, que são preenchidos quando chove. Então, a água faz pressão dentro do solo, provocando depois a movimentação da terra. Segundo o geólogo, Esse processo pode demorar, em média, cinco anos depois do corte das árvores.

Para Aumond, a arquitetura e a engenharia devem ser adaptadas ao relevo e não o contrário. “Não se deve ‘cortar’ o terreno [de encosta] porque mexe com o equilíbrio morfogeológico.” 



Briga de canetas

Em 2009, a Assembleia Legislativa de Santa Catarina aprovou o novo Código Ambiental Estadual (lei nº 14.675/09). Mas o Ministério Público de Santa Catarina entrou com uma ação na justiça contra a lei. O documento não respeita o princípio do Direito em que normas estaduais e municipais devem obedecer a normas federais − no caso, as áreas de preservação permanente estabelecidas pelo Código Florestal Brasileiro. A lei aguarda julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF).

A professora de Direito Ambiental da Universidade Regional de Blumenau (Furb), Noêmia Bohn, admite que o Código Florestal é “bastante restritivo”. Para ela, o problema é não haver explicação técnico-científica para as metragens indicadas no texto. “O governo estadual deveria financiar um grupo de pesquisa científica da Epagri [Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina] e mobilizar a bancada catarinense no Congresso.” Assim, não haveria ‘quebra de hierarquia’ e o problema poderia ser resolvido.