sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Oficialmente ‘terra de ninguém’

Terreno cercado na ponta do Araçá. Muitos imóveis
na região atravessaram gerações
sem documentos. (Soleci da Silva Ferreira)

A região da vila do Araçá começou a ser povoada no século 17. As terras foram passadas de geração para geração sem que ninguém fosse oficialmente dono delas no papel. Hoje quem quer comprar um terreno no Araçá enfrenta problemas, a começar pela regularização do imóvel.

Os interessados procuram terrenos com documentação, o que falta na maioria dos casos. Isso deixa os compradores inseguros, mesmo gostando do preço. Segundo a corretora Gislene Alves, bancos, como a Caixa Econômica Federal, exigem que os documentos do imóvel estejam em dia para financiá-lo. Sem os papéis, os interessados desistem do negócio.

Nilson Silva afirma que é o pioneiro no mercado imobiliário de Porto Belo. Quando começou na década de 1980, também tinha problemas para regularizar terras porque não existia demarcação definida. “De uma pedra a outra pedra era dele. Do outro, ninguém sabia onde era.” Segundo Álvaro Borges de Oliveira, professor de Direito Imobiliário na Univali,“não se pode falar em propriedade no Brasil sem matrícula [registro].”

“A pessoa que compra lá tem que estar ciente disso, fazer um contrato com a família [dona do terreno] e depois entrar com uma ação de uso capião. Se você comprar imóvel de nativo vai ser assim”, avisa Luiz Silva, corretor de imóveis. Na Justiça, nesse tipo de processo, se busca provar o uso e/ou ocupação da terra por, no mínimo, cinco anos, dependendo do caso. Assim, a propriedade passa a ser de quem usa de fato.

“Se o terreno tem matrícula [registro], tem que chamar o proprietário. Se não tem, tem que pegar uma negativa no registro de imóveis”, diz o professor Álvaro. Representantes da prefeitura e do governo estadual devem provar que não há impostos atrasados.

Já a Secretaria do Patrimônio da União comprova que o terreno não pertence à União, enquanto o Ministério Público apresenta provas de que o imóvel não está envolvido em disputas judiciais. Todos os vizinhos também têm que ser chamados.

Quando o dono do imóvel não é encontrado, “você pede pro juiz nomear um curador pra ele. E aí alguém vai agir pra ele naquele processo.”, esclarece o professor de Direito Imobiliário, e continua: “Vamos supor que o cara já tenha morrido, por exemplo. Imagine se o cara morreu e deixou dez herdeiros... Como é que vai encontrar essas dez pessoas aí?”



De acordo com o professor Álvaro, terras sem dono é um problema que vem desde a colonização. Por isso, “em qualquer lugar do Brasil é comum”. Desde o século 16, nobres receberam da Coroa portuguesa (e depois da família real do Brasil) pedaços de terra, que, de tão grandes, não era possível saber quais os proprietários vizinhos. “As terras de Joinville eram de uma pessoa só, a Dona Francisca, que as ganhou como presente de casamento de D. Pedro I [seu pai].”

Até hoje existem terras no Brasil que não se sabe de quem são. Nesses casos, juristas defendem que deve ser considerado o dono quem está usando ou ocupando o pedaço de terra. Se não houver ninguém, é da União.

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